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domingo, 9 de abril de 2023

Psicanálise em gotas

 


NÚMERO 3 – POR QUE FAZER ANÁLISE?

A vida é feita de acontecimentos, que muitas vezes transbordam a capacidade do ser humano de lidar com eles, levando a intenso sofrimento e podem até se tornar traumáticos. O sofrimento movimenta, negativa ou positivamente, o ser humano. Causa amadurecimento, mas também paralisa ou limita a vida. Leva à busca de ajuda, desejo de alívio imediato.

Algumas terapias podem eliminar o sintoma sem levar ao conhecimento da causa, o que pode fazer com que essa “cura” seja temporária e o sofrimento retorne. Não seria mais interessante uma técnica que focasse no porquê, que poderia aprofundar os motivos do adoecimento e levasse a uma cura efetiva?

A psicanálise tem a possibilidade de oferecer uma prática (a psicanálise é um novo discurso, fundado na prática de uma análise, disse Lacan) em que o sintoma adquire um sentido diferente do que na medicina e em outras psicoterapias e, com esse sentido novo, o discurso sobre ele muda. Mas o/a analista promete cura? Sim, que pode não ser necessariamente a eliminação do sintoma, mas cura como transformação em algo que faça mais sentido para a vida da pessoa.

Portanto, distinto de outras técnicas, o/a analista trabalha para o descortinar do saber inconsciente do sujeito, no desvelamento da história que levou à escolha de certos sintomas. Isso não é tranquilo, pois muitas vezes o sintoma é a única coisa que a pessoa tem, é sua forma de gozar, o que faz com que, mesmo querendo que ele desapareça, inconscientemente isso não é assim, não se deseja eliminar essa forma de satisfação.

Freud assinalou essa resistência do paciente em mudar, pois o sintoma tem seu ganho, enquanto Lacan usou o termo gozo para indicar esse tipo de satisfação, de prazer ou desprazer, que ocorre no inconsciente, perante situações que “escolhemos” e que depois são representadas por nossos sintomas.

Como funciona uma análise? A regra de ouro dessa técnica é a associação livre, em que o analisante é convidado a falar tudo que lhe vier ao pensamento, sem censura e, se possível, sem escolha prévia. É fácil? Para alguns sim, para outros nem tanto, mas o/a analista experiente sabe perguntar, pontuar e interpretar a fim de fazer com que o trabalho da análise continue.

Cura pela fala, eis o que a primeira paciente psicanalítica (que não foi de Freud e sim de seu amigo Breuer, bem antes daquele começar a atender mulheres histéricas) descortinou em Viena no quase final do século 19. Falar sobre tudo: males, bens, desejos inconfessos, sobre sexualidade (um horror para o médico daqueles anos!).

O que depois (com a prática e a teoria freudiana) se tornou a psicanálise era uma prática que proporcionava ao paciente poder responsabilizar-se pelo que o acometia; responsabilidade ética e não no sentido moral, ética do desejo, de poder apostar e poder ser feliz ou não naquilo que desejava.

Motor da psicanálise, a transferência (repetição, na diferença, de significantes vivenciados em épocas remotas da vida), estabelecida entre analista e paciente, permite a este supor naquele um saber sobre seu sintoma, o que o leva, de forma sugerida, a falar sobre o mal que o afeta e encontrar enlaces com sua história enquanto sujeito. Isso leva a uma mudança na postura em relação a si mesmo e com o mundo, o que pode significar uma cura, mesmo que o sintoma inicial não seja afetado.

Mas do que se deve falar numa análise? A regra de ouro é falar de tudo que vem ao pensamento, sem julgamento e censura. O analista vai pontuando, escandindo (fazendo o corte das sessões) e, mais raramente, interpretando. O analista vai perguntando sobre o que parece vago, indeciso, lapso. Pergunta não por curiosidade, mas para fazer o inconsciente falar e, nesse falar, vai surgindo o sujeito da análise.

Análise é para todo mundo? Provavelmente não, pois exige investimento de libido, tempo e dinheiro. Mas para quem quer e pode, é indispensável!

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