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sexta-feira, 7 de abril de 2023

Freud e a psicanálise

 


Afirma-se frequentemente que Freud aprendeu com as histéricas, que a partir do tratamento delas criou o método psicanalítico. O que se pode perceber pelos textos chamados pré-analíticos (e que para alguns comentadores já seriam analíticos!) é que ele pastou com essas mulheres (e um ou dois homens) histéricas, primeiro tentando tratá-las como neurologista, algumas vezes pegando Charcot como modelo, somente com a hipnose. Depois começou a usar o método que Breuer usara com Anna O. (método catártico com uma única paciente?) em 1882, e que sabemos em que fim deu.

 Combinar hipnose com sugestão - o aclamado método catártico - resolvia para alguns casos de histeria, mas Freud se viu em maus bocados com outros casos em que os sintomas ou respondiam temporariamente ou não respondiam de jeito nenhum! Boa parte das histéricas não se deixava hipnotizar (por conhecerem a técnica, por não quererem ser hipnotizadas e porque Freud talvez fosse realmente um péssimo hipnotizador!) e outras não aceitavam as sugestões dadas por ele, seja no estado de sonambulismo ou fora dele.

 Foi somente a partir da famosa frase de Emmy von N. em 1888 (talvez não tenha sido somente uma Emmy, mas várias delas a dizerem frase semelhante!), solicitando que ele parasse de perguntar tanta coisa, qual o  motivo disso, qual o motivo daquilo, e a deixasse falar livremente, foi que ele percebeu que não necessitava mais da hipnose, bastando deixar a paciente deitada confortavelmente para auxiliá-la em sua concentração.

 Como resquício da hipnose, ainda usava uma técnica que aprendeu com Bernheim, que era pressionar a testa da paciente, sugestionando que ela iria encontrar a causa do seu sintoma e que deveria falar sem censura tudo que surgisse em seu pensamento. Tinha surgido a regra de ouro da futura psicanálise: a associação livre, mas que ainda demoraria algum tempo para ser teorizada. 

 Portanto, continuou usando de sugestão por alguns anos, pois ainda acreditava que dessa forma poderia dar conta dos sintomas, com o objetivo de extirpá-los. O que ficou evidente depois é que bastaria a paciente falar de sua vida como um todo, e não somente tentar lembrar das cenas traumáticas que seriam a causa de seus males, para ocorrer abreação com remissão dos sintomas.

 Incentivando a associação livre, pontuando a fala das pacientes, reconhecendo a existência de material que não estava acessível à consciência e da qual a paciente não se dava conta, estava o caminho preparado para a "descoberta" do inconsciente (como substantivo, pois como adjetivo ele já era reconhecido pela filosofia!) e um método totalmente psicológico que Freud somente alguns anos depois denominaria de psicanálise. No Entwurf (1895, em que inicialmente somente seu amigo Fliess teve acesso) a estrutura do inconsciente está praticamente formalizada, sendo trazida a público somente no capítulo 7 da Interpretação dos Sonhos. Complexa, juntando biologia com psiquismo, dá conta do caminho percorrido pelas representações, tanto com seus representantes percorrendo livremente a via até a consciência, quanto as possibilidades de recalque, com a escolha de novos representantes, que podem aparecer em atos falhos, lapsos, sonhos e, em grande parte, em sintomas.

 O que Freud aponta nos Estudos sobre Histeria é que o tratamento para esse tipo de neurose tinha longa história, mas que até aquele momento (em que ele e Breuer começaram a tratá-las - ou em que ele começou!) nada se teorizava a respeito. Apesar de haverem livros publicados por Charcot, Bernheim, Janet e outros, ele não considerava isso teorização, pelo menos como ele estava fazendo naquele momento. E com certeza o grande diferencial de Freud foi perceber e acreditar na etiologia sexual das neuroses e apontar questões de linguagem presentes (deixar a histérica falar e pontuar falhas nessa fala), o que provavelmente o levou a melhores resultados com relação aos sintomas presentes nelas. Com a teorização sobre o inconsciente, recalque, transferência, sublimação e outros conceitos, a teoria psicanalítica fazia todo sentido.

 Depois veio a interpretação dos sonhos, que já caminhava durante os Estudos, pois Freud anotava seus sonhos e tentava encontrar sentido para eles. Nesse texto ele vai trabalhar basicamente a estrutura do recalque, do caminho das representações. 

 Nos textos teóricos posteriores (Psicopatologia da vida cotidiana e Os chistes e sua relação com o inconsciente) ele vai aprofundar a relação da linguagem com os sintomas e o inconsciente.

 Nos textos de prática, como "caso Dora", ele aprofunda a questão da transferência e associação livre, assim como a ligação do afeto com as representações.

 


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