Reflexões a partir de minha análise pessoal
Onde procurar um analista: na internet, por indicação, listas de
convênios, em escolas de psicanálise? Ele certamente não se encontra em
qualquer lugar, mas exatamente lá onde deveria estar, no meio de outros
analistas lacanianos, fazendo laço. Ou pelo menos deveria...
A busca por um analista lacaniano já é por si mesmo uma mexida em
tudo que se refere ao sujeito do desejo, sendo uma transferência de saber com anterioridade
a qualquer possibilidade de encontro, em que se faz a entrada em cena do
sujeito suposto saber - SsS (que é prévia e faz parte da demanda), com a
inscrição do significante do analista (significante qualquer) que o sujeito
captura mesmo antes de tê-lo visto. Momento de reconhecer que colocamos na
análise o desconhecimento sobre nosso desejo e a busca da solução desse seu
enigma, justificando que o analista teria essa resposta.
A suposição de suposto saber pode facilitar a associação livre,
juntamente com a transferência, permitindo um descolamento sintomático a partir
do sintoma analítico, substituindo uma neurose (geradora da demanda) por outra
(a de transferência), fazendo o inconsciente trabalhar.
Como levar a ele a demanda de análise: com sintoma ou sem sintoma,
análise didática, desejo de se conhecer melhor, terminar uma análise anterior?
Seja qual for, a queixa inicial se torna demanda endereçada ao analista,
demanda de saber sobre nosso sintoma. Isso aponta a um excesso de gozo que leva
ao sofrimento do analisante e o move à procura de ajuda; ou seja, um dos pontos
a serem trabalhados será esse ganho secundário no gozo que o sintoma denuncia e
que torna tão difícil se livrar dele.
E como aguentar o suposto silêncio de um lacaniano? Porque nas
entrevistas preliminares não seja interessante o analista fazer escansões e
interpretações, ele fica mais nas perguntas, que funcionam também como
pontuações, caminhando pela diacronia (história) do analisante. Nesse sentido,
aqui o analista ainda pode falar mais. Feita a entrada em análise, o silêncio
do analista será mais sentido.
Como não ficar com raiva das
sessões sem tempo delimitado? Nas entrevistas preliminares muito provavelmente
as sessões serão mais longas a fim do psicanalista colher informações do
analisante, mas quando da entrada em análise os cortes podem ser feitos em
tempo móvel e curtos, com sessões menos extensas. No entanto, isso não é
realizado por todos os analistas, pois alguns preferem manter as sessões
longas.
Como esperar com tranquilidade o devido momento de ir para o divã, que
pode levar algumas sessões ou até meses? Geralmente são poucos analisantes que têm
noção dessa passagem, mas muitos deles a esperam e até questionam o analista
por que isso ainda não ocorreu e qual o momento exato. O analista até pode
fazer essa passagem apontando ao analisante o mótivo: que é nesse momento que o
sintoma passa de resposta (causa de sofrimento do sujeito) ao estatuto de
questão (retificação subjetiva: implicação do sujeito em seu mal – de “sinto
mal” a “sim tô mal”, segundo Quinet). O sujeito entra em análise quando ele
para de se queixar de seu sintoma e se pergunta pelo seu significado! É por
isso que para alguns pode ser bem demorado, por não conseguir escapar desse
hábito de estar sempre culpando o outro pelo que lhe acontece.
É quase incompreensível a passagem das entrevistas preliminares à
análise propriamente dita no sentido prático. De repente se diz algo que aponta
ao analista que aquele é o momento. Mas que sentido teria isso ao analisante
além da passagem ao divã (nem sempre obrigatória)? Será que muda a forma como o
analista fala ou o conteúdo de suas intervenções? Será que teremos que falar de
forma diferente, com outro tom de voz? Será que podemos ficar com os olhos
fechados para se sentir ainda mais distante daquele lugar, mas ainda dentro do
dispositivo? A entrada não deixa de ser um processo de histericização, em que o
sintoma aparece como enigma, com o sujeito falando no lugar de dividido (na
pergunta pelo seu ser), colocando o inconsciente em exercício e ao mesmo tempo
sentindo estranhamento em nossa própria fala.
Sentimento de sair de si mesmo enquanto se fala no divã. Sentido de
irrealidade durante a sessão, entre 4 paredes, o analista com voz
que vem do além. Discurso nosso meio esquizofrênico. Isso pode
assustar alguns. Não é qualquer um que consegue intensificar seu delírio
(aumentar o volume do pensamento) sem se sentir meio fora de si, como
pressentimento de sair do racional. Estar no divã não deixa de ser uma
experiência interessante: falar como se falasse para as paredes, ouvir a voz do
analista vindo de longe. Depois de sua palavra do fim da sessão, levantar do
divã como se levantasse da cama, com outro tipo de tensão no corpo.
Com o crescimento das sessões de análise via tecnologia da informação e
da comunicação a questão da ida para o divã se complexificou e é necessária
muita reflexão sobre essa passagem das entrevistas preliminares para a análise
para sua exata compreensão que, em todo caso, não deixa de ser possível via on
line em função de sua simbologia.
Como falar tudo o que vem ao pensamento, sem censurar, sem achar que
isso ofenderá a moral do analista? Impossível permitir-se à total cadeia das
ideias, pois muitas delas parecem não só ferir o eu do analisante, mas também
ferir o analista em sua pessoa. Aquilo que é dito pode desgostar o analista e
atrair sua fúria e isso muitas vezes passa pelo pensamento do analisante.
Outras vezes o que se pensa parece não ter importância e não fazer parte do
tema da vez. Nesse sentido, pode-se ficar semanas ou meses remoendo um tema na
sua mente até que se crie coragem suficiente para expô-lo e sentir como isso
andará. Apesar de tudo isso, temos que nos pôr a trabalhar e seguir a regra de
ouro da associação livre.
O que seria ficar preso no mesmo tema? Seria uma repetição com alguns
detalhes a mais ou colocar a mesma questão de forma diferente? Será que
repetimos o mesmo tema para ver se ocorre alguma mudança mágica na nossa forma
de pensar, sentir e agir? A análise teria esse poder de transformação? E quando
se passam semanas, meses, anos e nada muda? Culpa de quem? Do analista, que não
sabe e não ajuda em nada, ou do analisante que não investe o suficiente, que
falta às sessões, que não segue a regra de associar sem parar?
Como se comportar na sessão, de que forma falar? O que seria melhor:
deixar-se levar pelas ondas de pensamento, falar de tudo, de forma quase
delirante, emocionalmente, sem nem pensar onde isso vai dar, ou falar devagar,
calculadamente, racionalmente, como se cada palavra importasse e ir esperando
pontuações do analista sobre o que se fala? É possível compreender tudo que se
fala? Seria uma ilusão tentar se conhecer melhor através da análise?
Todo analisante teria algum sintoma no divã? Suadeira, tremedeira,
gagueira, bexiga cheia? Ansiedade e depressão poderiam ser intensificadas no
momento em que se está ali deitado? Ocorre uma tensão da contorsão do corpo
tocado pelas palavras, que fazem mescla com o afeto que elas carregam,
intensificando uma somática já carregada fora do dispositivo; ou seja, de
alguma forma saímos mexidos daquela sessão, seja pelo tema tratado, pelo
esforço que realizamos ou tocados pelas escansões e pelo corte realizado pelo
analista.
Quanto tempo dura a sessão? Às vezes uma eternidade quando não se quer
ou não se consegue falar, em função do tema difícil; às vezes o tempo voa
quando se fala disparadamente, tentando dar conta de narrar ou compreender uma
situação que veio como disrupção no cotidiano. Tempo não é somente lógico
para o analista, mas também relativo/subjetivo para o analisante.
Haveria diferença entre falar a verdade e mentir na análise? Se os
lapsos, chistes, sintomas e esquecimentos ocorrem em qualquer discurso, seja
verdadeiro ou não, não importa se o analisante mente ou diz a verdade; o que
importa é que siga a regra de ouro e o analista o escute com atenção flutuante.
Como é o corte em análise e como sentir e trabalhar seu impacto? Que
palavra mágica ou frase mal-dita (maldita?) virá nos balançar e nos tirar do
lugar de nada? O que poderá nos remeter para a sessão seguinte ou nos fazer
ignorar o tema do corte? Como parar de falar naquele exato momento em que se é
cortado e se queria continuar falando? Se o corte é o encontro com o real, como
senti-lo? Seria o algo mais a dizer que não foi possível dizer e que você
precisar engolir, sabendo que ele não teria mais efeito na próxima
sessão; ou seja, está para sempre perdido.
Fim da sessão: confirmar horário seguinte, deixar o dinheiro em cima da
escrivaninha do analista, apertar sua mão e partir, ainda pensando no que fora
dito ali. Não é fácil, para alguns, parar o discurso no momento em que o
analista faz o corte e fingir que o dispositivo se desfaz magicamente e que a
pessoa que está à sua frente não encarna mais o papel de analista. Alguns
continuam narrando fora do divã até a porta do consultório, não distinguindo o
analista semblante do analista pessoa.
E quando se fica esperando uma sessão curta e ela não chega? Seria sinal
de que o analista não está encontrando motivo para o corte e que o material que
se está oferecendo não é interessante ou válido?
O que é esse encontro entre analisantes na sala de espera? Qual a
cumplicidade que poderia existir entre eles? Sinal de que os horários anterior
ou posterior estão ocupados, o que pode indicar o status do analista (estar com
agenda cheia).
Realmente se sonha (ou não se sonha - de não lembrar dos sonhos)
para o analista! E também se lembrar mais dos sonhos que se tem, como se cada
um deles existisse para ser ofertado no altar do dispositivo analítico.
Pode-se preparar o material para a análise? Preparar antecipadamente o
material (temas, sonhos, situações) para serem narrados? Isso seria burlar a
associação livre?
O processo analítico mexe com a gente, a ponto de causar certa
melancolia. Lembrar de coisas esquecidas deve mesmo causar isso.
Como perceber as interpretações que são feitas? É possível senti-las?
Sentir seus efeitos? E quando se passam meses sem nenhuma interpretação do
analista, o que isso poderia significar? Que a interpretação é realmente coisa
rara?
Mesmo entendendo que o trabalho analítico é do paciente, ele não deixa
de esperar e cobrar do analista uma ação, mesmo que seja somente um
direcionamento com perguntas para que o analisante continue falando. Quando
este percebe que o analista foge disso (silêncio demais, presença física
demais, transferência demais), pode se irritar e até mesmo interromper o
processo. Culpa-se o analista por não dar respostas; transferência de um pai
que não respondia e não ensinou um menino a ser homem
Como construir o fantasma em análise? Construção conjunta, somente do
analista, somente do analisante? Como ter certeza de que se encontrou o
fantasma fundamental? Como fazer sua travessia? Sua travessia quer dizer o quê?
Desvanescimento da situação ou outra compreensão sobre ela? O analista indica o
fim da análise? O analisante é quem percebe esse fim e pede para encerrar?
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