Mais
à frente na mesma aula aponta que à medida em que o campo (do saber?) se
estende pelo fato de a ciência desempenhar, talvez, a função do discurso do
mestre, não sabemos em que grau cada um de nós é determinado primeiro como
objeto a. Que se constrói uma ciência que nada mais tem a ver com os
pressupostos que desde sempre a ideia de conhecimento implicava, isso tendo
mudado pelo simples jogo de uma verdade formalizada ou de uma verdade puramente
lógica da ciência atual.
Nesse
ambiente que tem relação com a ciência moderna, com as consequências da verdade
formalizada, Lacan indica que deve haver algum lugar onde estamos incluídos sem
saber até agora e não operando com isso (objetos a ou semblantes dele). Lembremos
que em 1970 (ano do seminário 17), época do avanço da conquista do espaço,
muitos objetos já estavam circulando na estratosfera ou noosfera, daí ele
proclamar essa aletosfera.
Aletosfera:
de Aletéia (em grego clássico: ἀλήθεια; romaniz.: Alétheia; lit. verdade, no
sentido de desvelamento: de a-, negação; e lethe,
"esquecimento"), para os antigos gregos, designava a verdade e a
realidade, simultaneamente; verdade sendo a manifestação daquilo que é ou
existe tal como é.
Aletosfera
(esfera, lugar da verdade) é onde se vai alojar tudo aquilo que está em relação
com a verdade formalizada da ciência. Nossos movimentos estão em relação às
verdades que podem ser deduzidas, formalizadas a partir do avanço da ciência.
Nesse caso, o real da verdade formalizada.
Nesse
mesmo seminário Lacan fala das latusas (lathouse), igualando-as e diferenciando-as
dos objetos a. Elas são objetos fabricados com relação a essas verdades
que se desprendem da ciência, são os produtos que na aletosfera existem como
objetos a, são objetos não viventes, fabricados, mas que existem na
aletosfera. As latusas não são objetos a, mas podem estar como tal,
objetos fabricados no interior do mal-estar da cultura que podem funcionar no
nível da causa, por fora do sujeito.
Como
objetos fabricados, produtos do discurso científico, as latusas sustentam certo
nível de ocultamento da verdade, assim como o objeto a permite o mesmo
efeito (por exemplo, no lugar da verdade no discurso histérico pode estar tanto
o objeto a quanto uma latusa no ocultamente de seu desejo).
Se
a latusa funciona como causa, resulta que o lugar da verdade não é uma
materialidade, porque a latusa é resultado de um desenvolvimento de uma verdade
formalizada, mesmo que seja em si material; por isso essa causa nunca passa a
ser material quanto a latusa, ficando somente no nível formal. Assim, nas
latusas não há efeito de linguagem (exceto a que está em relação a uma verdade
formalizada) e não há a possiblidade de fazerem semblante e interrogarem o
sujeito através de sua causa material.
O
mundo está cada vez mais povoado de latusas, como objetos da promessa do
discurso capitalista como S1. Essa substituição maníaca do objeto, promovida
pelo discurso do capitalista, buscaria afastar a angústia da falta a ser, assim
como o luto gostaria de superar a angústia traumática decorrente da perda.
E
quanto aos pequenos objetos a que se encontra imajados em todas as telas
de que dispomos (eles mesmos como se objetos a), atrás de todas
as vitrines, na proliferação desses objetos feitos para causar o desejo de todos,
na medida em que agora é a ciência que os governa, podemos pensar neles como
latusas (ou mais recentemente como “gadgets” ou “gismos”). Esses produtos
existem para tapar a boca com relação a algo que não possa ser dito (sobre a
falta?).
O
analista se encontra com pacientes confrontados com suas latusas, como aquele
viciado em jogos eletrônicos pelo celular que prolonga seus olhos, ou por uma
motocicleta que quase faz simbiose com seu corpo, ou em uma arma que prolonga o
braço do indivíduo. Todos eles podem momentaneamente trazer satisfação, mas
sempre apontam para a falta com o que eles têm de se confrontar.
Questões
a serem pensadas: a posição do analista como a, como causa do desejo,
coincidiria com a latusa? Um analista IA, totalmente eletrônico, estaria no
lugar da latusa? O analista estaria na aletosfera, como uma fábrica de
analistas?
Texto
baseado em partes do livro de Norberto
Ferreyra, El outro insomnio: deuda y antecedência en psicoanálisis, Ediciones
Kliné, Buenos Aires, 1993.

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